quarta-feira

Pequeno Tributo a Zeca Afonso







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Contos Velhos, Rumos Novos



Traz outro amigo também


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Cantigas do Maio



Recital de José Afonso - Santiago de Compostela 10 de Maio



 Eu vou ser como a toupeira



Coro dos tribunais



 Com as minhas tamanquinhas


Enquanto há força


 Fados de Coimbra


 Como se fora seu filho


Galinhas do mato


 Ao vivo no Coliseu


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 Viva o poder popular


 Funeral Zeca Afonso


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sexta-feira

SEJA BEM-VINDO QUEM VIER POR BEM














Guarda, Cidade do Futuro

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"RÁDIO FADO DE COIMBRA" (24 HORAS POR DIA!)    

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Como Chegar à Guarda







Cantiga de Amigo (Interpretação de Filipa Pais)










Lenda da Guarda

Os cavalos batiam impacientes a terra molhada. Tinha chovido inesperada e copiosamente. No alto da serra, os albornozes dos sarracenos formavam uma mancha branca e movediça nesse raiar de dia. O sol rompia a custo. Tudo, porém, estava a postos para o combate...
Em baixo, no vale, D. Afonso III das Astúrias dava as suas últimas ordens. Depois de ter transposto o Douro e ocupado Salamanca, cercara Cória e retirara-se em seguida. Corria o ano de 866, em que os Muçulmanos haviam invadido as terras da Galiza. D. Afonso castigou os muçulmanos colhidos nos desfiladeiros e voltou à Lusitânia. Lamego, Viseu e Coimbra caíram em seu poder. Então o rei das Astúrias deitou o olhar à Idanha, ocupada ainda pelos sarracenos.

O terreno estava difícil, escorregadio. Uma derrota nesse momento seria o descalabro. Daí a sua hesitação. Todavia, o ânimo dos guerreiros cristãos era forte, decidido. O desaire daquela chuva inesperada obrigara D. Afonso III a adiar o ataque. Mas agora tudo estava de novo a postos. E o sinal para dar começo ao combate soou!

Como um grito medonho que viesse das entranhas da própria terra, os sarracenos responderam, descendo para o vale. O embate foi tremendo. De ambos os lados havia o desejo de uma vitória. A cavalaria movimentava-se. Praticavam-se verdadeiros actos de heroísmo.

O rei das Astúrias reparou então num jovem de estatura franzina que parecia movido por força misteriosa. Mas não tinha tempo para atentar bem nele. A hora não era para desperdícios. Os mouros começavam a ceder e era necessário aproveitar todos os seus momentos de fraqueza.

Nuvens cinzentas acumulavam-se no horizonte, ameaçando trovoadas. Se voltasse a chover, a sorte tanto poderia pender para um lado como para o outro. E agora os guerreiros cristãos estavam a tomar vantagem, que se ia tornando cada vez mais sensível.

D. Afonso III sentia a necessidade de apressar a vitória. Vendo junto de si o seu fiel Menendo Peres, recomendou:

— Tomai conta deste ângulo, que me vou contra o inimigo onde a peleja me parece mais incerta!

O velho cavaleiro respondeu:

— Ide, Senhor. Mas tende cautela! Não vale a pena expor-vos tanto, agora que a vitória está assegurada!

Mas D. Afonso III das Astúrias já não ouviu toda a frase do sei velho amigo. Dando de esporas ao cavalo, caiu como um raio sobre um grupo de sarracenos que parecia levar a melhor, combatendo com cinco guerreiros cristãos. E entre eles lá estava aquele jovem em que reparar antes e que fazia prodígios de bravura. Pelejando lado a lado, rei e soldados viram-se de súbito senhores do terreno. Os sarracenos fugiam!

A vitória estava certa! O caminho para a Idanha, desimpedido!...

Sorriu o rei, de contente. Encaminhou-se para o soldado louro e franzino, de olhos grandes, cor do mar. Mas quando o monarca ia falar-lhe, ele sumiu-se, tal como aparecera, procurando célere outro campo de luta...
 
Manhã alta, banhada por um sol fraco, coado por nuvens brancas, dispersas... O silêncio sucedera ao fragor da batalha. Diante da sua tenda, D. Afonso III encheu o peito com o ar puro da montanha, sorrindo a essa primeira manhã depois de mais uma retumbante vitória. Não podia queixar-se da fortuna, que parecia acompanhá-lo. É certo que a sua juventude não fora das mais afortunadas; mas agora, como rei, só tinha que elevar o seu pensamento ao Céu, numa consciente acção de graças!
Rei! Ele era rei das Astúrias! Mas quem o ajudara, além de Deus? Sim, deveria estar grato a Menendo Peres. E estava! Porém — já lho havia dito alguma vez?...

Não pensava na esposa que deixara em Castela, nem nos inúmeros problemas que a sua ausência poderia acarretar. Pensava na sua juventude. Na sua fuga para Alava. No seu desespero quando o pai morrera. Mas era finalmente rei! Rei das Astúrias!

Mandara chamar Menendo Peres, pois tinha algo importante a comunicar-lhe. E, enquanto esperava, continuava a encher o peito com o ar puro da montanha e o cérebro de pensamentos a que a alegria da vitória não era estranha!

Um tanto pálido, D. Menendo Peres surgiu na frente do monarca. Inclinou-se respeitoso e perguntou, com voz onde a ansiedade punha reflexos estranhos.

— Senhor... Dizei em que tive a infelicidade de vos desagradar!

Foi a vez de D. Afonso se surpreender.
— Desagradar, vós? Assim vos diz a vossa consciência?

D. Menendo Peres levou uma das mãos ao rosto. E a mão tremia-lhe ligeiramente.

— Senhor! Se a vida me pedirdes, eu vo-la darei sem hesitar! Mas... como me mandaste chamar com tanta urgência... julguei...

D. Afonso sorriu e atalhou:

— Que ia repreender-vos, não é assim? Mas repreender-vos porquê? Pelo contrário! Não esqueço que fostes o meu amigo mais fiel quando Fruela se apossou do trono que meu pai me deixara!

O velho fez uma ligeira reverência.

— Jurei a vosso pai dar a vida por vós, se tanto fosse necessário!

O rei olhou o seu bom amigo.

— Devo-vos a minha fuga para Alava, não o esqueço! E julgo que não fostes indiferente à conjura de Oviedo contra Fruela, da qual lhe resultou a morte...
— A conjuração contra o conde Fruela foi feita pelos próprios nobres que aclamaram rei o jovem Afonso!
— E quem me ajudou contra os alaveses, quando de novo fui nomeado rei? Não fostes ainda vós?
— Sou um vosso fiel servidor!
— Fiel, sim, mas demasiadamente modesto. Encontro-vos sempre na sombra. É tempo de encarar a luz!

O velho fidalgo olhou de frente o seu rei.

— Não vos compreendo, Senhor.

O rei voltou a sorrir:

— Pois bem! Irei direito ao fim. Agora que Viseu, Lamego, Coimbra e todas estas terras me pertencem, o meu fito é a Idanha e Mérida. Mas não desejo afastar-me daqui sem deixar alguém da minha inteira confiança a chefiar os homens que aqui ficam.
— Na nossa escolta alguns existem nos quais podeis confiar. O vosso jovem cunhado, por exemplo.
— Bem sei. Mas prefiro que ele vá comigo. E sereis vós quem ficará aqui.
— É uma ordem, Senhor?
— É uma ordem.
— Cumpri-la-ei, então... embora vos declare que preferia acompanhar-vos.
— Perderei um bom companheiro, decerto! Mas ficarei descansado, se vos deixar como guardião desta serra. E aqui, longe de lutas constantes, ficareis melhor.
— Senhor...
— Eu sei: quereis mandar vir vossa filha. Podereis fazê-lo. No entanto, tomai conta, para que não se exponha muito. E a propósito: que idade terá ela já?
— Senhor...
— Bem sei. Casastes tarde...
— Casei por amor! Joana morreu ao dar à luz a filha. Chamei-lhe Ana, para que ela me recordasse um pouco a mãe. E é linda como ela!
— E com quem a deixastes?
— Senhor... Senhor... nem sei que dizer-vos!

As mãos do velho tremiam mais. O seu rosto voltara a empalidecer…

O rei surpreendeu-se.

— Que tendes? Aconteceu algo a vossa filha durante a vossa ausência?

O velho fidalgo meneou a cabeça.

— Senhor, uma confissão vos devo. E decerto ides castigar este vosso dedicado servidor...

A surpresa continuou estampada no rosto do rei asturiano.

— Castigar-vos? Que me fizestes?
— Desobedeci-vos e enganei-vos!
— A mim?
— Sim, enganei-vos... A minha filha tem andado connosco!
— Connosco? Como?
— Como simples soldado!
— Combatendo?
— Sim, real Senhor!
— E vós consentistes? Como ousastes?

A palidez do velho Menendo era cada vez maior. As frases saíram-lhe a custo dos lábios descorados.

— Senhor, perdoai-me! Eu não sei negar-lhe coisa alguma. Nem eu… nem ninguém.
— Mas... foi ela quem quis seguir-vos?
— Sim, meu Senhor! Adora-me como pai e, tal como eu, será capaz de dar a vida por vós!
— Que estranho! Lembro-me agora de certo soldado de aspecto franzino... Onde está ela?
— Depois dos combates, isola-se sempre... Creio que no alto serra...
— Sozinha?
— Esqueceis-vos, Senhor, que a minha filha Ana é um verdadeiro soldado...
— Pois bem! A manhã está serena. A vitória está ganha. Acompanha-me ao alto da serra para um pequeno passeio...

O velho Menendo olhou com atenção a expressão do rei. Depois, intimamente sossegado, curvou-se, numa vénia.

— E muita honra da vossa parte, Senhor... Na verdade, a manhã está linda, apesar dessas pequenas nuvens brancas...

Sentenciosamente, o rei ajuntou:

— A paisagem exterior parece-nos sempre bela, quando a interior se mostra aliciante...

E ambos, lado a lado, saíram do arraial a caminho do cimo da montanha.

Jovem e vigoroso, o rei subia a serra sem esforço. Menendo Peres, porém, mostrava-se ofegante. Sorrindo, D. Afonso olhou-o num ar gaiato, bem diferente da sua expressão habitual.

— Menendo Peres, não vos peço tão grande sacrifício. A vossa filha Ana está lá em cima, à vossa vista. Ficai por aqui, enquanto eu subo e falo com ela.

O velho olhou-o, com certa apreensão.

— Senhor, vede como lhe falais! Ela é muito sensível… e se ousou desobedecer-vos... também expôs a vida sempre que a vossa estava em perigo!

Sorriu ainda mais o rei.

— Descansai, Menendo Peres! Não serei muito rigoroso para com ela…

E deixando o velho fidalgo, subiu com mais ligeireza até ao cimo da montanha. O ar fresco batia-lhe no rosto, dando-lhe uma sensação de prazer. Cabelos soltos ao vento, essa estranha mulher em trajo de guerra, absorta na paisagem, como perdida no infinito, parecia mais uma figura irreal do que uma jovem habituada à vida castelã. O rei contemplou-a em silêncio, com profunda admiração. E como ela continuasse alheia à sua presença, chamou-a com brandura:

— Ana!

Num sobressalto, a jovem voltou-se. Ao ver o rei, o seu lindo rosto tomou uma expressão quase de pânico.

— Senhor, Senhor, não tenho onde esconder-me de vós!...
— E para quê?
— Quem me denunciou?
— Vosso pai.
— Meu pai?... Ah, compreendo: receia a minha morte num campo de batalha. Ignora que, se eu ficar, finar-me-ei de tristeza e solidão...
— Sabeis decerto que fostes por demais ousada?

As lágrimas afluíram aos olhos da jovem.

— Perdoai-me, Senhor!
— Porque fizestes tal?

A jovem não respondeu. O rei aproximou-se e insistiu, embora com certa e desusada doçura na voz:

— Dizei-me, Ana, porque vos vestistes assim?

Sem o olhar, a jovem quase balbuciou:

— Não sei viver… sem respirar o mesmo ar que respiram aqueles a quem amo...
— Aqueles?... Amais então alguém além do vosso pai?

Novo silêncio por resposta. Apenas o vento bailando nos cabelos da jovem guerreira. Mais perto ainda, o rei insistiu:

— Quem é o feliz? Cabe-me o direito de o saber...

Com um fundo suspiro, a jovem respondeu a medo:

— Um nobre cavaleiro que nem sequer deu por mim!

Sorriu o rei e gracejou:

— Deve ser crucificado!

Ana abanou a cabeça e olhou timidamente o seu interlocutor.

— É muito nobre! Além disso... acaba de casar com alguém da sua alta estirpe.
— Que esperais dele, então?

A jovem olhou resolutamente o rei, como se tivesse levado uma bofetada. O seu olhar era vivo. A sua expressão altiva.

— Nada! Não espero nada.

Surpreendeu-se o rei.

— Então... porque arriscais a vida?
— Para, enquanto viver, respirar o ar que ele respira e ouvir o som da sua voz!

O rei franziu ligeiramente as sobrancelhas. Deixou de gracejar. A sua voz soou profunda.

— Ana! Dizei-me onde ficou a vossa rival?

De novo o silêncio se interpôs. O rei impacientou-se.

— Fiz uma pergunta. Espero a resposta.

Ana mordeu os lábios. Baixou a cabeça. D. Afonso insistiu:

— O vosso rei espera!

Atarantada, a jovem suplicou:

— Senhor! Não sei mentir-vos… e não quero dizer-vos a verdade!
— Mas eu quero a verdade!
— Deixai comigo o meu segredo!
— Quero apenas saber onde ficou a dama com quem casou há pouco o cavaleiro dos vossos sonhos!

Numa voz sumida, a jovem cedeu:
— Ficou em Castela...

Desta vez, o silêncio que se seguiu foi mais prolongado. O rei olhava a mulher de feições extraordinariamente belas que estava junto dele e que evitava o brilho dos seus olhos. Depois, colocando uma das suas no braço da jovem para que ela o encarasse, perguntou, confuso.

— Ana! Será possível?... Nem me atrevo a acreditar...

As lágrimas corriam já pelas faces da jovem.

— Pensai de mim o que quiserdes!

Tentando não a perturbar, o rei fez nova pergunta:

— Conheceis-me de há muito, não é assim?

Veio pronta a resposta, desta vez:

— Desde menina. Acompanhei-vos quando fugistes para Alava.

Como que falando consigo próprio, D. Afonso exclamou:

— Tinha eu então dezoito anos!
— E eu, pouco mais de sete.
— Tenho a certeza de que não vos vi, depois de serdes mulher...
— Fugia de vós!
— Porquê?
— Porque acompanhava meu pai sem vosso consentimento.
— Com ele ficareis aqui.
— E vós?
— Prosseguirei na campanha. Assim é preciso. Mas prometo voltar muitas vezes.

Lágrimas tornaram a deslizar pelo rosto da jovem Ana.

— Talvez seja melhor assim, meu Senhor. Deixai-me ficar aqui, nesta montanha, neste mesmo local onde me encontrastes e onde vos pus a minha alma a nu!

Carinhosamente, o rei Afonso III das Astúrias declarou à jovem Ana:

— Ficareis aqui num castelo que mandarei construir. Um castelo que sirva de atalaia e que assinale um dos dias mais felizes da minha vida!
— Senhor, serei a vossa guarda!
— Pois Guarda se há-de chamar a cidade que um dia se levantará neste mesmo local! E agora descei comigo, Ana. Vosso pai espera-nos.

Um luminoso sorriso brilhou no olhar da jovem. Calou o que na sua alma gritava jubilosamente. Ébria de felicidade, pousou a sua mão na do rei Afonso, que lha oferecia amorosamente para a ajudar a descer...
As nuvens brancas dessa manhã de luz suave começaram a dispersar-se. Em volta, tudo era silêncio e paz. Mas Ana, enquanto descia, sabia bem que em breve novos gritos de guerra ecoariam na montanha! Nem tudo, portanto, era luminoso e belo. Nesse momento, porém, ela sentia-se a mulher mais feliz à face da Terra!...

Fonte Biblio MARQUES, Gentil Lendas de Portugal Lisboa, Círculo de Leitores, 1997 [1962], p.Volume II, pp. 265-271

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