terça-feira

Abril



L i b e r d a d e





Quero

Viver sempre Abril

Continuar a  sentir

A  suave brisa

De primavera

Perfumada

De Liberdade

 Quero

- Egitaniense - Abril de 2022


"Revolução dos Cravos"




Crise Académica de 1969 (1ª parte)

Crise Académica de 1969 (2ª Parte)


Luto Académico 69



Luto Académico de 1969


Os Estudantes que Ganharam a Salazar



1.º Comunicado do MFA


Comunicado das Forças Armadas


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Comunicados da Forças Armadas

(a partir do Posto de Comando do MFA)

 

Antes das 04.00 h

Aqui Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas. As Forças Armadas Portuguesas apelam para todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de recolherem a suas casas nas quais se devem conservar com a máxima calma. Esperamos sinceramente que a gravidade da hora que vivemos não seja tristemente assinalada por qualquer acidente pessoal para o que apelamos para o bom senso dos comandos das forças militarizadas no sentido de serem evitados quaisquer confrontos com as Forças Armadas. Tal confronto, além de desnecessário, só poderá conduzir a sérios prejuízos individuais que enlutariam e criariam divisões entre os portugueses, o que há que evitar a todo o custo.
Não obstante a expressa preocupação de não fazer correr a mínima gota de sangue de qualquer português, apelamos para o espírito cívico e profissional da classe médica esperando a sua acorrência aos hospitais, a fim de prestar a sua eventual colaboração que se deseja, sinceramente, desnecessária.

 Às 04.45 h

A todos os elementos das forças militarizadas e policiais o comando do Movimento das Forças Armadas aconselha a máxima prudência, a fim de serem evitados quaisquer recontros perigosos.

Não há intenção deliberada de fazer correr sangue desnecessariamente, mas tal acontecerá caso alguma provocação se venha a verificar.

Apelamos para que regressem imediatamente aos seus quartéis, aguardando as ordens que lhes serão dadas pelo Movimento das Forças Armadas.
Serão severamente responsabilizados todos os comandos que tentarem, por qualquer forma, conduzir os seus subordinados à luta com as Forças Armadas.

Apelo às forças militarizadas

Aqui Posto de Comando das Forças Armadas. Informa-se a população de que, no sentido de evitar todo e qualquer incidente, ainda que involuntário, deverá recolher às suas casas, mantendo absoluta calma.
A todos os componentes das forças militarizadas, nomeadamente às forças da GNR, PSP e ainda às forças da DGS e da Legião Portuguesa, que abusivamente foram recrutadas, lembra-se o seu dever cívico de contribuírem para a manutenção da ordem pública, o que na presente situação só poderá ser alcançado se não for oposta qualquer reacção às Forças Armadas. Tal reacção nada teria de vantajoso pois apenas conduziria a um indesejável derramamento de sangue que em nada contribuiria para a união de todos os portugueses.
Embora estando crentes no civismo e no bom senso de todos os portugueses no sentido de evitarem todo e qualquer recontro armado, apelamos para que os médicos e pessoal de enfermagem se apresente aos hospitais para uma colaboração que fazemos votos por que seja desnecessária.

 Às 05.00 h

Atenção elementos das forças militarizadas e policiais. Uma vez que as Forças Armadas decidiram tomar a seu cargo a presente situação será considerado delito grave qualquer oposição das forças militarizadas e policiais às unidades militares que cercam a cidade de Lisboa.

A não obediência a este aviso poderá provocar um inútil derramamento de sangue cuja responsabilidade lhes será inteiramente atribuída.
Deverá por conseguinte, conservar-se dentro dos seus quartéis até receberem ordens do Movimento das Forças Armadas. 

Os comandos das forças militarizadas e policiais serão severamente responsabilizados caso incitem os seus subordinados à luta armada.Às 

07.30 h

Conforme tem sido difundido, as Forças Armadas desencadearam na madrugada de hoje uma série de acções com vista à libertação do País do regime que há longo tempo o domina.

Nos seus comunicados as Forças Armadas têm apelado para a não intervenção das forças policiais com o objectivo de se evitar derramamento de sangue. Embora este desejo se mantenha firme, não se hesitará em responder, decidida e implacavelmente, a qualquer oposição que venha a manifestar-se.
Consciente de que interpreta os verdadeiros sentimentos da Nação, o Movimento das Forças Armadas prosseguirá na sua acção libertadora e pede à população que se mantenha calma e que se recolha às suas residências. Viva Portugal!

Às 10.30 h

O Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas constata que a população civil não está a respeitar o apelo já efectuado várias vezes para que se mantenha em casa.

Pede-se mais uma vez à população que permaneça nas suas casas a fim de não pôr em perigo a sua própria integridade física. Em breve será radiodifundido um comunicado esclarecendo o domínio da situação. 


Às 11.45 h

Na sequência das acções desencadeadas na madrugada de hoje, com o objectivo de derrubar o regime que há longo tempo oprime o País, as Forças Armadas informam que de Norte a Sul dominam a situação e que em breve chegará a hora da libertação.
Recomenda-se de novo à população que se mantenha calma e nas suas residências para evitar incidentes desagradáveis cuja responsabilidade caberá integralmente às poucas forças que se opõem ao Movimento.
Chama-se a atenção de todos os estabelecimentos comerciais de que devem encerrar imediatamente as suas portas, colaborando desta forma com o Movimento, de modo a evitar açambarcamentos desnecessários e inúteis.

 Caso esta determinação não seja acatada, será forçoso decretar o recolher obrigatório. Ciente de que interpreta fielmente os verdadeiros sentimentos da Nação, o Movimento das Forças Armadas prosseguirá inabalavelmente na missão que a sua consciência de portugueses e militares lhes impõe.

 Viva Portugal!

(Fonte: Centro de Documentação 25 de Abril)


Cravos – As Canções



José Afonso


Grândola Vila Morena

Grândola, vila morena

Grândola, vila morena

Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade

Dentro de ti, ó cidade

O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena

Em cada esquina um amigo

Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade

Terra da fraternidade

Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena

À sombra duma azinheira

Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade

Grândola a tua vontade

Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade

Grândola, swarthy town

Grândola, swarthy town

Land of fraternity
It is the people who lead
Inside of you, oh city

Inside of you, oh city

It is the people who lead
Land of fraternity
Grândola, swarthy town

On each corner, a friend

In each face, equality
Grândola, swarthy town
Land of fraternity

Land of fraternity

Grândola, swarthy town
In each face, equality
It is the people who lead

In the shadow of a holm oak

Which no longer knew its age
I swore as my companion,
Grândola, your will

Grândola, your will

I swore as my companion
In the shadow of a holm oak
Which no longer knew its age


Adriano Correia de Oliveira




Trova do Vento que Passa

 

Trova do Vento que Passa

 

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.
o vento nada me diz.

(Refrão)

La-ra-lai-lai-lai-la, la-ra-lai-lai-lai-la,
La-ra-lai-lai-lai-la, la-ra-lai-lai-lai-la.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio — é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

 

Ballad of the passing wind

I ask of the wind that passes
news of my country
and the wind silences the tragedy
the wind tells me nothing,
the wind tells me nothing.

(Refrain)

La-ra-lai-lai-lai-la, la-ra-lai-lai-lai-la,
La-ra-lai-lai-lai-la, la-ra-lai-lai-lai-la.

I ask the rivers that carry
so many dreams on their surface
and the rivers don’t quieten
they carry away dreams and leave pain.

They carry away dreams and leave pain
oh rivers of my country
my country on the surface of the waters
where are you going? No one says.

If you pick the leaves of the green clover
ask for news and say
to the clover of four leaves
that I die for my country.

I ask the people who pass
why do they go with their eyes fixed on the ground.
Silence – it is all they have
who live in servitude.

I saw flower straight green branches
and turned to the sky.
And those who enjoy having masters
I always saw with their shoulders bent.

And the wind tells me nothing
no one says nothing new.
I saw my country’s arms
nailed to the cross of the people.

I saw my country on the margins
of the rivers that lead to seas
as someone who loves journeys
but who must always remain behind.

I saw ships depart
(my country on the surface of the waters)
I saw my country flower
(green leaves green pain).

There are those who would have you ignored
and speak of patriotism in your name.
I saw you crucified
in the black arms of hunger.

And the wind tells me nothing
only the silence persists.
I saw my country stopped
at the edge of a sad river.

No one says anything new
if I continue to ask for news
in the empty hands of the people
I saw my country flower.

And the night grows inside
the men of my country.
I ask for news from the wind
And the wind tells me nothing.

The clover has four leaves
liberty [liberdade] four syllables.
It is true that those for whom
I write don’t know how to read.

But there is always a candle
in tragedy itself
there is always someone who sows
songs in the passing wind.

Even on the saddest night
in times of servitude
there is always someone who resists
there is always someone who says no.

Manuel Freire



Pedra Filosofal



Pedra Filosofal

 

Eles não sabem que o sonho

é uma constante da vida

tão concreta e definida
como outra coisa qualquer.
Como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e ouro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.


Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
para-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultrassom, televisão
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança. 

__________

Philosopher's Stone

They do not know that dreaming

is a constant in life
as concrete and defined
as any other thing.

Like this grayish stone
where I sit to rest,
like this calm creek
in its easy startles,
like these tall pine trees
which in green and gold sway,
like these birds that crow
in drunkenness of blue.

They do not know that dreaming
is wine, is foam, is yeast,
a joyful thirsty little animal
whose pointy snout
is in endless restlessness.

They do not know that dreaming
is canvas, is color, is paintbrush,
base, pole, shaft,
ogive arch, stained glass window,
a cathedral pinnacle,
counterpoint, symphony,
Greek mask, magic,
that it is the alchemist's retort,
distant lands chart,
compass, infant,
sixteenth century vessel,
that it is Cape of Good Hope,
gold, cinnamon, ivory,
a swordsman’s foil,
it is backstage, it is dance step,
Colombine and Harlequin,
‘passarola’ flying machine,
lightning-rod, locomotive,
a glorious prow boat,
blast furnace, energy generator,
splitting of the atom, radar,
ultrasound, television,
a rocket landing
on the surface of the moon.

They do not know, nor do they dream,
that dreaming commands life.
That whenever a man dreams
the world leaps forth
like a colorful ball

into a child’s little hands. 




Fausto


Pr'ó que Der e Vier



P’ró que der e vier

 

Tenho a cabeça espetada

entre a noite e a madrugada.
Tenho um braço deitado
entre o perfeito e o enjeitado.
E um canhão apontado
para qualquer lado enfeudado.
Venha lá quem quiser
estou p´ró que der e vier.

 

De manhã mal acordado,

de noite pouco ensonado.
Para a aventura que teço
encontro os dias do avesso.
Na terra do perder Deus é dinheiro
Diabo é não o ter.
Seja homem ou mulher
estou p´ró que der e vier.

Dia a dia num aperto

que mais parece um deserto.
No descalabro do medo
mal se levanta um dedo.
Aconteça o que acontecer
não temos nada a perder,
dê no que vier a dar
assim não podemos ficar.

Hei-de ser a barricada,

arma, fogo, despedida.
Hei-de ser ferro forjado,
dia e noite amor calado.
Hei-de ser punho cerrado
e ternura docemente
e haja lá o que houver
estou p´ró que der e vier.

For whatever happens and comes

 

My head is impaled

between night and dawn.
My arm lies between
the perfect and the rejected.
And a canon aimed
at any place of privilege.
Come who may
I am ready for what happens and comes.

Badly awake in the morning,

badly slept at night.
For the adventure that I weave
I find the days inside out.
In the land of loss God is money
The Devil is not having it.
Whether man or woman
I am ready for what happens and comes.

From day to day in a tight situation

That seems more like a desert.
In the disaster of fear
A finger barely rises.
Whatever happens
we have nothing to lose,
whatever happens
we can’t stay this way.

I will be the barricade
weapon, fire, farewell.
I will be the forged iron,
day and night silent love.
I will be the tightened fist
And sweet tenderness
and whatever happens.


Sérgio Godinho


Liberdade


Liberdade

 Viemos com o peso do passado e da semente
Esperar tantos anos torna tudo mais urgente
e a sede de uma espera só se estanca na torrente
e a sede de uma espera só se estanca na torrente
Vivemos tantos anos a falar pela calada
Só se pode querer tudo quando não se teve nada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só há liberdade a sério quando houver
A paz, o pão
habitação
saúde, educação
Só há liberdade a sério quando houver
Liberdade de mudar e decidir
quando pertencer ao povo o que o povo produzir
quando pertencer ao povo o que o povo produzir

Liberty

We came with the weight of the past and the seed
To wait so many years makes everything more urgent
and the thirst of waiting can only be satisfied in the torrent
and the thirst of waiting can only be satisfied in the torrent
We lived so many years speaking in silence
One can only want everything who has had nothing
One can only want a full life who has had a life stopped
One can only want a full life who has had a life stopped
There is only true liberty when there is
Peace, bread
housing
health, education
There is only true liberty when there is
Liberty to change and decide
when what the people produce belongs to the people
when what the people produce belongs to the people

Francisco Fanhais



Porque



PORQUE

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.

 

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

 

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

 

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

 

- Sophia de Mello Breyner Andresen

 

- Sophia de Mello Breyner Andresen


José Mário Branco



Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

 Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

(Refrão)

E se tudo o mundo é composto de mudança,
Troquemos-lhes as voltas que ainda o dia é uma criança.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

Mas se tudo o mundo é composto de mudança,
Troquemo-lhes as voltas que ainda o dia é uma criança.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

Mas se tudo o mundo é composto de mudança,
Troquemo-lhes as voltas que ainda o dia é uma criança.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

Mas se tudo o mundo é composto de mudança,
Troquemo-lhes as voltas que ainda o dia é uma criança.


The times change, the wills change

The times change, the wills change
Change what is, confidence changes;
The whole world is made of change,
Always taking on new qualities.

(Refrain)

And if the whole world is made of change,
Let’s change its turns as the day is still a child.

We continually see what is new,
Different from all that is hoped for;
From evil remains the pain in memory,
And from good, if anyone hears, saudades.

But if the whole world is made of change,
Let’s change its turns as the day is still a child.

Time covers the ground with a green veil,
Which was already covered with cold snow,
And in me the crying is converted into sweet song.

But if the whole world is made of change,
Let’s change its turns as the day is still a child.

And apart from this everyday change,
Another change surprises:
That nothing changes as it once changed.

But if the whole world is made of change,
Let’s change its turns as the day is still a child.


Ary dos Santos



As Portas que Abril Abriu



As portas que Abril abriu

 

Era uma vez um país

onde entre o mar e a guerra

vivia o mais infeliz

dos povos à beira-terra.


Onde entre vinhas sobredos

vales socalcos searas

serras atalhos veredas

lezírias e praias claras

um povo se debruçava

como um vime de tristeza

sobre um rio onde mirava

a sua própria pobreza.

 

Era uma vez um país

onde o pão era contado

onde quem tinha a raiz

tinha o fruto arrecadado

onde quem tinha o dinheiro

tinha o operário algemado

onde suava o ceifeiro

que dormia com o gado

onde tossia o mineiro

em Aljustrel ajustado

quem nascia desgraçado.

 

Era uma vez um país

de tal maneira explorado

pelos consórcios fabris

pelo mando acumulado

pelas ideias nazis

pelo dinheiro estragado

pelo dobrar da cerviz

pelo trabalho amarrado

que até hoje já se diz

que nos tempos do passado

se chamava esse país

Portugal suicidado.

 

Ali nas vinhas sobredos

vales socalcos searas

serras atalhos veredas

lezírias e praias claras

vivia um povo tão pobre

que partia para a guerra

para encher quem estava podre

de comer a sua terra.

 

Um povo que era levado

para Angola nos porões

um povo que era tratado

como a arma dos patrões

um povo que era obrigado

a matar por suas mãos

sem saber que um bom soldado

nunca fere os seus irmãos.

 

Ora passou-se porém

que dentro de um povo escravo

alguém que lhe queria bem

um dia plantou um cravo.

Era a semente da esperança

feita de força e vontade

era ainda uma criança

mas já era a liberdade.

 

Era já uma promessa

era a força da razão

do coração à cabeça

da cabeça ao coração.

 

Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.

 

Esses que tinham lutado

a defender um irmão

esses que tinham passado
o horror da solidão
esses que tinham jurado
sobre uma côdea de pão
ver o povo libertado
do terror da opressão.

 

Não tinham armas é certo

mas tinham toda a razão

quando um homem morre perto
tem de haver distanciação

 

uma pistola guardada

nas dobras da sua opção
uma bala disparada
contra a sua própria mão
e uma força perseguida
que na escolha do mais forte
faz com que a força da vida
seja maior do que a morte.

 

Quem o fez era soldado

homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.

 

Esses que tinham lutado

a defender um irmão

esses que tinham passado
o horror da solidão
esses que tinham jurado
sobre uma côdea de pão
ver o povo libertado
do terror da opressão.

 

Não tinham armas é certo

mas tinham toda a razão

quando um homem morre perto
tem de haver distanciação

uma pistola guardada
nas dobras da sua opção

uma bala disparada
contra a sua própria mão
e uma força perseguida
que na escolha do mais forte

faz com que a força da vida

seja maior do que a morte.

 

Quem o fez era soldado

homem novo capitão
mas também tinha a seu lado

muitos homens na prisão.

 

Posta a semente do cravo

começou a floração
do capitão ao soldado

do soldado ao capitão.

 

Foi então que o povo armado

percebeu qual a razão
porque o povo despojado

lhe punha as armas na mão.

 

Pois também ele humilhado
em sua própria grandeza

era soldado forçado

contra a pátria portuguesa.

 

Era preso e exilado

e no seu próprio país
muitas vezes estrangulado

pelos generais senis.

 

Capitão que não comanda

não pode ficar calado

é o povo que lhe manda
ser capitão revoltado
é o povo que lhe diz
que não ceda e não hesite
 – pode nascer um país
do ventre duma chaimite.

 

Porque a força bem empregue
contra a posição contrária
nunca oprime nem persegue
 – é força revolucionária!

 

Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.

 

Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava

o povo é quem mais ordena.

 

E então por vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
desceram homens sem medo
marujos soldados «páras»
que não queriam o degredo
dum povo que se separa.
E chegaram à cidade
onde os monstros se acoitavam
era a hora da verdade
para as hienas que mandavam
a hora da claridade
para os sóis que despontavam
e a hora da vontade
para os homens que lutavam.

 

Em idas vindas esperas
encontros esquinas e praças
não se pouparam as feras
arrancaram-se as mordaças
e o povo saiu à rua
com sete pedras na mão
e uma pedra de lua
no lugar do coração.

 

Dizia soldado amigo
meu camarada e irmão
este povo está contigo
nascemos do mesmo chão
trazemos a mesma chama
temos a mesma ração
dormimos na mesma cama
comendo do mesmo pão.

 

Camarada e meu amigo
soldadinho ou capitão
este povo está contigo
a malta dá-te razão.

 

Foi esta força sem tiros
de antes quebrar que torcer
esta ausência de suspiros
esta fúria de viver
este mar de vozes livres
sempre a crescer a crescer
que das espingardas fez livros
para aprendermos a ler
que dos canhões fez enxadas
para lavrarmos a terra
e das balas disparadas
apenas o fim da guerra.

 

Foi esta força viril
de antes quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril
fez Portugal renascer.

 

E em Lisboa capital
dos novos mestres de Aviz
o povo de Portugal
deu o poder a quem quis.

 

Mesmo que tenha passado
às vezes por mãos estranhas
o poder que ali foi dado
saiu das nossas entranhas.

 

Saiu das vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
onde um povo se curvava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.

 

E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe.

 

Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu.

 

Essas portas que em Caxias
se escancararam de vez
essas janelas vazias
que se encheram outra vez
e essas celas tão frias
tão cheias de sordidez
que espreitavam como espias
todo o povo português.

 

Agora que já floriu
a esperança na nossa terra
as portas que Abril abriu
nunca mais ninguém as cerra.

 

Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo do mês de Junho.

 

Quando o povo desfilou
nas ruas em procissão
de novo se processou
a própria revolução.

 

Mas eram olhos as balas
abraços punhais e lanças
enamoradas as alas
dos soldados e crianças.

 

E o grito que foi ouvido
tantas vezes repetido
dizia que o povo unido
jamais seria vencido.

 

Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo do mês de Junho.

 

E então operários mineiros
pescadores e ganhões
marçanos e carpinteiros
empregados dos balcões
mulheres-a-dias pedreiros
reformados sem pensões
dactilógrafos carteiros
e outras muitas profissões
souberam que o seu dinheiro
era presa dos patrões.

 

A seu lado também estavam
jornalistas que escreviam
actores que se desdobravam
cientistas que aprendiam
poetas que estrebuchavam
cantores que não se vendiam
mas enquanto estes lutavam
é certo que não sentiam
a fome com que apertavam
os cintos dos que os ouviam.

 

Porém cantar é ternura
escrever constrói liberdade
e não há coisa mais pura
do que dizer a verdade.

 

E uns e outros irmanados
na mesma luta de ideais
ambos sectores explorados
ficaram partes iguais.

 

Entanto não descansavam
entre pragas e perjúrios
agulhas que se espetavam
silêncios boatos murmúrios
risinhos que se calavam
palácios contra tugúrios
fortunas que levantavam
promessas de maus augúrios
os que em vida se enterravam
por serem falsos e espúrios
maiorais da minoria
que diziam silenciosa
e que em silêncio fazia
a coisa mais horrorosa:
minar como um sinapismo
e com ordenados régios
o alvor do socialismo
e o fim dos privilégios.

 

Foi então se bem vos lembro
que sucedeu a vindima
quando pisámos Setembro
a verdade veio acima.

 

E foi um mosto tão forte
que sabia tanto a Abril
que nem o medo da morte
nos fez voltar ao redil.

 

Ali ficámos de pé
juntos soldados e povo
para mostrarmos como é
que se faz um país novo.

 

Ali dissemos não passa!
E a reacção não passou.
Quem já viveu a desgraça
odeia a quem desgraçou.

 

Foi a força do Outono
mais forte que a Primavera
que trouxe os homens sem dono
de que o povo estava à espera.

 

Foi a força dos mineiros
pescadores e ganhões
operários e carpinteiros
empregados dos balcões
mulheres-a-dias pedreiros
reformados sem pensões
dactilógrafos carteiros
e outras muitas profissões
que deu o poder cimeiro
a quem não queria patrões.

 

Desde esse dia em que todos
nós repartimos o pão
é que acabaram os bodos
— cumpriu-se a revolução.

 

Porém em quintas vivendas
palácios e palacetes
os generais com prebendas
caciques e cassetetes
os que montavam cavalos
para caçarem veados
os que davam dois estalos
na cara dos empregados
os que tinham bons amigos
no consórcio dos sabões
e coçavam os umbigos
como quem coça os galões
os generais subalternos
que aceitavam os patrões
os generais inimigos
os generais garanhões
teciam teias de aranha
e eram mais camaleões
que a lombriga que se amanha
com os próprios cagalhões.

 

Com generais desta apanha
já não há revoluções.

Por isso o onze de Março

foi um baile de Tartufos
uma alternância de terços
entre ricaços e bufos.

 

E tivemos de pagar

com o sangue de um soldado
o preço de já não estar
Portugal suicidado.

 

Fugiram como cobardes
e para terras de Espanha
os que faziam alardes
dos combates em campanha.

E aqui ficaram de pé
capitães de pedra e cal
os homens que na Guiné
aprenderam Portugal.

 

Os tais homens que sentiram
que um animal racional
opõe àqueles que o firam
consciência nacional.

 

Os tais homens que souberam
fazer a revolução
porque na guerra entenderam
o que era a libertação.

 

Os que viram claramente
e com os cinco sentidos
morrer tanta tanta gente
que todos ficaram vivos.

 

Os tais homens feitos de aço
temperado com a tristeza
que envolveram num abraço
toda a história portuguesa.

 

Essa história tão bonita
e depois tão maltratada
por quem herdou a desdita
da história colonizada.

 

Dai ao povo o que é do povo
pois o mar não tem patrões.
– Não havia estado novo
nos poemas de Camões!

 

Havia sim a lonjura
e uma vela desfraldada
para levar a ternura
à distância imaginada.

 

Foi este lado da história
que os capitães descobriram
que ficará na memória
das naus que de Abril partiram

 

das naves que transportaram
o nosso abraço profundo
aos povos que agora deram
novos países ao mundo.

 

Por saberem como é
ficaram de pedra e cal
capitães que na Guiné
descobriram Portugal.

 

E em sua pátria fizeram
o que deviam fazer:
ao seu povo devolveram
o que o povo tinha a haver:
Bancos seguros petróleos
que ficarão a render
ao invés dos monopólios
para o trabalho crescer.

 

Guindastes portos navios
e outras coisas para erguer
antenas centrais e fios
dum país que vai nascer.

 

Mesmo que seja com frio
é preciso é aquecer
pensar que somos um rio
que vai dar onde quiser

pensar que somos um mar
que nunca mais tem fronteiras
e havemos de navegar
de muitíssimas maneiras.

 

No Minho com pés de linho
no Alentejo com pão
no Ribatejo com vinho
na Beira com requeijão
e trocando agora as voltas
ao vira da produção
no Alentejo bolotas
no Algarve maçapão
vindimas no Alto Douro
tomates em Azeitão
azeite da cor do ouro
que é verde ao pé do Fundão
e fica amarelo puro
nos campos do Baleizão.

 

Quando a terra for do povo
o povo deita-lhe a mão!

 

É isto a reforma agrária
em sua própria expressão:
a maneira mais primária
de que nós temos um quinhão
da semente proletária
da nossa revolução.

 

Quem a fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.

 

De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
um menino que sorriu
uma porta que se abrisse
um fruto que se expandiu
um pão que se repartisse
um capitão que seguiu
o que a história lhe predisse
e entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo que levantava
sobre um rio de pobreza
a bandeira em que ondulava
a sua própria grandeza!

 

De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
e só nos faltava agora
que este Abril não se cumprisse.

 

Só nos faltava que os cães
viessem ferrar o dente
na carne dos capitães
que se arriscaram na frente.


Na frente de todos nós

povo soberano e total
que ao mesmo tempo é a voz
e o braço de Portugal.


Ouvi banqueiros fascistas
agiotas do lazer
latifundiários machistas
balofos verbos de encher
e outras coisas em istas
que não cabe dizer aqui
que aos capitães progressistas
o povo deu o poder!
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!



Vitorino

Queda do Império


Queda do Império

Perguntei ao vento
Onde foi encontrar
Mago sopro encanto
Nau da vela em cruz
Foi nas ondas do mar
Do mundo inteiro
Terras da perdição
Parco império mil almas
Por pau de canela e mazagão

Pata de negreiro
Tira e foge á morte
Que a sorte é de quem
A terra amou
E no peito guardou
Cheiro da mata eterna
Laranja luanda
Sempre em flor

Paulo de Carvalho


E Depois do Adeus


E depois do adeus
After the goodbye
Quis saber quem sou, o que faço aqui
I wanted to know who I am, what I'm doing here
quem me abandonou, de quem me esqueci
Who has abandoned me, whom I forgot
Perguntei por mim, quis saber de nós
I asked myself, I wanted to know about us
Mas o mar não me traz tua voz
But the sea doesn't bring me your voice


Em silêncio, amor, em tristeza enfim
In silence, my love, in sadness at last
Eu te sinto em flor, eu te sofro em mim
I feel you like a flower, I feel you hurting me
Eu te lembro assim, partir é morrer
I remember you, leaving is dying
Como amar é ganhar e perder
Like loving is winning and losing


Tu vieste em flor, eu te desfolhei
You came as a flower that picked
Tu te deste em amor, eu nada te dei
You gave me your love, I gave you nothing
Em teu corpo, amor, eu adormeci
In your body, my love, I fell asleep
Morri nele e ao morrer renasci
I died in it and after dying I was reborn


E depois do amor, e depois de nós
And after love, and after us
O dizer adeus, o ficarmos sós
Saying goodbye, staying alone
Teu lugar a mais, tua ausência em mim
Your empty place, your absence in me
Tua paz que perdi, minha dor que aprendi
Your peace that I lost, my sorrow that I gained
De novo vieste em flor, te desfolhei
Again you came as a flower that I picked


E depois do amor, e depois do nós
And after love, and after us
O adeus, o ficarmos sós
Saying goodbye, staying alone


(La la la la la... la la la la la la la  la la  la...)
(La la la la la... la la la la la la la la la  la...)


Pedro Barroso






Balada do Desespero
Porque nasceste, vives
Porque vivias cresceste
Porque cresceste tiveste
A sorte que não sabias
Porque estudaste aprendeste
As coisas de se saber
E outras inúteis de sobra
As coisas de se esquecer
As coisas de se esquecer
Porque cumpriste fizeste
O que te mandaram fazer
Os padres o pai a mãe
O professor o mais velho
O sargento o comandante
O senhorio a porteira
O ministro o governante
O cobrador o pedreiro
– esteja cá na terça-feira!
O bancário o carpinteiro
O homem do gás da luz
Da água do pão do leite
E acabaste cumprindo
Cumprindo tudo a preceito
Encomendaste gravatas
Fatos novos e sapatos
Dedicaste-te ao chinquilho
Talvez ao king
Fizeste um filho e outro filho
Nas horas livres, às vezes,
Em havendo futebol
Sentiste-te homem de tasca
Sentiste que eras uma besta
Mas segunda-feira cedo
Bem cedo bem matinal
Te achavas de novo pronto
Partindo para o mesmo emprego
Comprando o mesmo jornal
E sempre todos os dias
Cobiçaste a secretária
Do teu chefe o sr. Sousa
Para à noite pernas moídas
Tomares o trinta e sete
O carrinho ou a bicicleta
E regressando cansado
Do barulho e da ausência
Sentires-te reencontrado
Da solidão na indolência
De um canapé recostado
Pijama e televisão
Aquecedor e decência
Tudo muito bem ligado
Tudo muito bem sentado
Em conforto e concordância
Em conforto e anuência
Nas férias grandes redecoraste-te
Bizarro na concepção
E arriscaste um figurino
Foste às compras de calção
E sorriste aos teus parceiros
De barraquinha na praia
E à senhoria vizinha
Que nunca tirou a saia
Calculem só os senhores
Agosto inteiro com saia
Aturaste a pequenada
Brigas birras fraldas caca
Apreciaste o traseiro
Da amiga do teu amigo
Rechonchudinha mulata
– já é preciso ter lata!
Viraste a cara em decoro
Não vão os putos ver isto
Espalhaste óleo pelas espaldas
Enquanto a tua mulher
Um pouco desconfiada
Desabrida e despeitada
Te exigiu
– Ó Silva tu mudas as fraldas!
Depois à noite porreiro
Caminhaste na avenida
Muito fresco e prazenteiro
Com a pança bem comida
Às vezes de um frango inteiro
Que não és homem dos fracos
Dos fracos não reza a história
E o Silva é alguém na vida
Homem de bem de memória
Contabilista da firma
Tal e tal rua da Glória
– Sempre que quiser já sabe
É uma casa às suas ordens…
E depois pelo caminho
Regressas gritas dás ordens
Recuas gritas dás ordens
E ameaças o outro
Que ginou para este lado
– se calhar querias coitado!
E o camião chateado
De se ver ultrapassado
Regressas mais bronzeado
Mais gordo talvez mais magro
Mais velho um mês e quem sabe
Mais cansado que à partida
Regressas ao rame rame
Enquanto suspirarás
Todo o ano por um mês
Todo o mês por outra vida
Toda a vida por viver
Algo que te valha a pena
Ou então tu já nem sentes
E mentes-te enquanto sentes
E mentes e já não sentes
E já não sentes mas mentes
Ano a ano te esfolharam
Te roubaram prestações
Letras fantasmas viagens
Cromos selos colecções
Hálito fresco e saudável
Graxa sabão brilhantina
Mudaste a cor do salão
De azul para verde marinho
Do verde para um branquinho
E enfim para um castanho
– o que é que achas? – mais clarinho…
E ao fim de tanto trocares
Baralhares e confundires
Acabas por rebentar
Evitando pelo menos
Teres enfim de destruir
Tudo o que creste ser belo
Ser lindo ser valioso
Acabaste confundindo
Viver com reeducar-te
Passaste o tempo calcando
O que podias ter sido tu
Nu inteiro e pessoal
Pois que assim afinal
Foste um entre milhões
Que de morte natural
Tem uma cruz lega uns tostões
E cai podre numa cova
Em funeral
Não te ficou nem um gesto
Que não façam mais milhares
Não te ficou nem um risco
Um grito para espalhares
Não te ficou nem uma sobra
Uma intenção uma raiva
Isto é caso pra dizer
Parvo incapaz e castrado
Rastejante e tão honrado
Foste um escravo do dever
Um pobre mais um na selva
Repousa em paz bom rapaz.


Ballad of Despair
Because you were born, you live
Because you lived you grew
Because you grew you had
The good fortune not to know
Because you studied you learned
The things to know
And other useless things to spare
The things to forget
The things to forget
Because you complied you did
What they ordered you to do
The priests father and mother
The teacher the oldest
The sergeant the officer
The landlord the concierge
The minister the governor
The collector the mason
– be here on Tuesday!
The banker the carpenter
The gas and electricity man
The water man the baker the milkman
And you ended up complying
Obeying everything to the letter
You ordered ties
New suits and shoes
You dedicated yourself to chinquilho
Or to king.
You had a son and another son
In your free time, sometimes,
With football
You felt yourself a man of the tavern
You felt like an animal
But early Monday
Very early early in the morning
You found yourself again ready
Leaving for the same job
Buying the same newspaper

And always everyday
You desired Mr. Sousa's,
Your boss, secretary.
For the night warn legs
You catch the thirty seven
The little car or the bicycle
And returning tired
From the noise and the emptiness
You feel yourself re-discovered
From the indolent solitude
From the reclining couch
Pajama and television
Heater and decency
Everything very well plugged
Everything very well seated
In comfort and concordance
In comfort and consent
During the long vacations you redecorated yourself
Bizarre in conception
And you risked playing a role
You went shopping in shorts
And you smiled to your fellows
With a parasol on the beach
And the neighboring lady
Who never removed her skirt
Can you imagine gentlemen
The whole of August with a skirt
You put up with the little ones
Fights tantrums diapers shit
You admired the butt
Of your friend’s friend
Little round mulata
– the gall of some today!
You turned your eyes away decorously
Least the kids see this
You rubbed oil on backs
While your wife
A little suspicious
Without favor and upset
Asked you
– Silva, your change the diapers!

Then at night great
You walked along the avenue
Very fresh and content
With your belly full of food
Sometimes with a whole chicken
You’re not one of the weak men
History is not made by the weak
And Silva is someone in life
A man of good standing and memory
Accountant of the firm
Number so and so on Gloria street
– Whenever you need, you know,
My house is yours …
And then on the road
You return you scream you give orders
You back up scream give orders
And you threaten the other
Who swerved towards you
– you’re asking for it poor bastard!
And the truck bothered
To see itself overtaken
You return more tanned
Fatter perhaps thinner
Older by a month and who knows
More tired than when you left
You return to the routine
While you will sigh
All year for the one month
The one month for another life
All lifelong to live
Something that is worthwhile
Or perhaps you no longer feel anything
And you lie to yourself when you feel
And you lie and no longer feel
And you no longer feel and lie
Year after year they fleeced you
They stole payments
Letters phantasms trips
Cards stamps collections
Fresh and healthy breath
Shoe shine soap hair gel
You changed the color of the living room
From blue to sea green
From green to white
And finally to brown
– what do you think? – brighter …
And after changing so many times
Mixing up and confusing
You end up blowing up
Avoiding at least
Finally destroying
Everything you thought beautiful
To be beautiful to be valuable
You ended up confused
To live with re-educating yourself
You spent time repressing
What you could have been
Naked complete and personal
You were thus finally
One among millions
Who from natural death
Has a cross leaving behind a few pennies
And fall rotten into a grave
In a funeral
Not even a single gesture of yours remains
That thousands of others have not made
No mark of yours left behind
A scream to spread
Nothing at all remains
An intention a rage
It’s enough to say
Idiot incompetent and castrated
Servile and so honored
You were a slave of duty
Yet another miserable one in the jungle
Rest in peace good boy.


Fernando Tordo


Adeus Tristeza



Adeus Tristeza

Na minha vida tive palmas e fracassos
Fui amargura feita notas e compassos
Aconteceu-me estar no palco atrás do pano
Tive a promessa de um contrato por um ano
A entrevista que era boa
E o meu futuro foi aquilo que se viu

Na minha vida tive beijos e empurrões
Esqueci a fome num banquete de ilusões
Não entendi a maior parte dos amores
Só percebi que alguns deixaram muitas dores
Fiz as cantigas que afinal ninguém ouviu
E o meu futuro foi aquilo que se viu

[Refrão]
Adeus tristeza, até depois
Chamo-te triste por sentir que entre os dois
Não há mais nada pra fazer ou conversar
Chegou a hora de acabar

Na minha vida fiz viagens de ida e volta
Cantei de tudo por ser um cantor à solta
Devagarinho num couplé pra começar
Com muita força no refrão que é popular
Mas outra vez a triste sorte não sorriu
E o meu futuro foi aquilo que se viu

[Refrão]

Na minha vida fui sempre um outro qualquer
Era tão fácil, bastava apenas escolher
Escolher-me a mim, pensei que isso era vaidade
Mas já passou, não sou melhor mas sou verdade
Não ando cá para sofrer mas para viver
E o meu futuro há-de ser o que eu quiser
[Refrão]


José Jorge Letria


Arte Poética



Arte Poética


Que o poema tenha carne
ossos vísceras destino
que seja pedra e alarme
ou mãos sujas de menino.
Que venha corpo e amante
e de amante seja irmão
que seja urgente e instante
como um instante de pão.

Só assim será poema
só assim terá razão
só assim te vale a pena
passá-lo de mão em mão.

Que seja rua ou ternura
tempestade ou manhã clara
seja arado e aventura
fábrica terra e seara.
Que traga rugas e vinho
berços máquinas luar
que faça um barco de pinho
e deite as armas ao mar.

Só assim será poema
só assim terá razão
só assim te vale a pena
passá-lo de mão em mão.


Luís Cília


Exílio



Exílio


Venho dizer-vos que não tenho medo
A verdade é mais forte do que as algemas,
Venho dizer-vos que não há degredo
Quando se traz a alma cheia de poemas.
Pode ser uma ilha ou uma prisão
Em qualquer lado eu estou presente,
Tomo o navio da canção
E vou direito ao coração de toda a gente.
Exile
I come to tell you that I am not afraid
Truth is stronger than chains.
I come to tell you that there is no exile
When one’s soul is filled with poems.
It can be an island or a prison
Wherever it be, I will be present
I take the ship of song
And go straight to the heart of everyone.

Carlos Mendes



Ruas de Lisboa e Alcácer que Vier


Ruas da Minha Cidade

Ruas da minha cidade
Veias que o meu sangue abraça
E põe cravos de ansiedade
Na lapela de quem passa
Ruas da minha cidade
Onde perco o coração
Poema diz a verdade
Diz a verdade canção
Ruas da minha cidade
Amanhecendo a firmeza
De uma ponte entre a saudade
E um Abril à portuguesa
Ruas da minha cidade
Onde vingo as minhas asas
O meu nome é liberdade
E moro em todas as casas
Ruas da minha cidade
Praças da minha alegria
Onde antes da claridade
Era noite todo o dia
Ruas da minha cidade
Onde o velho é sempre novo
As ruas não têm idade
Porque são todas do povo
Ruas da minha cidade
Becos de ganga puída
Oficinas da verdade
Dos operários desta vida
Ruas da minha cidade
Janelas do meu olhar
Onde os pardais da amizade
À tarde vêm poisar
Ruas da minha cidade
Rasgadas por minha mão
A gente passa à vontade
Quando pisa o nosso chão
Ruas da minha cidade
Aonde eu quero morrer
Com cravos de eternidade
Dos meus olhos a nascer

Alcácer que Vier
Em Alcácer eram verdes as aves do pensamento
Eram tão leves tão leves como as lanternas do vento
Em alcácer eram verdes os cavalos encarnados
Eram tão fortes tão negros como os punhos decepados


Em Alcácer eram verdes as armas que eu inventei
Eram tão leves tão leves tão leves que nem eu sei
Em Alcácer eram verdes os homens que não voltaram
Eram tão verdes tão verdes como os campos que deixaram


Em Alcácer eram verdes as maçãs feitas de lume
Eram tão frias tão frias como as dobras do ciúme
Em Alcácer eram verdes estas palavras que agora
são tão caladas tão cernes tão feitas desta demora


Em Alcácer eram verdes as flores da sepultura
Eram tão verdes tão verdes tão verdes como a loucura
Em Alcácer era verde meu amor o teu olhar
Era tão verde tão verde quase à beira de cegar


Em Alcácer eram verdes os lençóis onde morri
Eram tão frios tão verdes como os campos que eu não vi
Em Alcácer eram verdes as feridas do meu país
Eram tão fundas tão verdes como este mal de raiz

(Poema de Joaquim Pessoa)

Maio, Maduro Maio


Maio Maduro Maio


Que Amor Não me Engana

Que amor não me engana

Com a sua brandura
Se de antiga chama
Mal vive a amargura

Duma mancha negra
Duma pedra fria
Que amor não se entrega
Na noite vazia 

E as vozes embarcam
Num silêncio aflito
Quanto mais se apartam
Mais se ouve o seu grito

Muito à flor das águas
Noite marinheira
Vem devagarinho
Para a minha beira

Em novas coutadas
Junto de uma hera
Nascem flores vermelhas
Pela Primavera

Assim tu souberas
Irmã cotovia
Dizer-me se esperas
O nascer do dia


Grupo Outubro


A Luta Vai Ser Dura Companheiro


A Luta Vai Ser Dura Companheiro
A luta vai ser dura camarada
Mas nada se conquista sem canseira
Com o sangue vertido na jornada
Faremos palmo a palmo a sementeira

Por cada voz calada
Mil vozes vão nascer gritando a força deste povo
Que não se vai render

A luta vai ser longa companheiro
Mas quem sabe esperar não desespera
Teremos de lutar de corpo inteiro
Pois temos o futuro à nossa espera

A luta vai ser longa camarada
Mas cada passo em frente é mais um passo
Havemos de vencer a caminhada
Que o povo não se vence pelo cansaço

Por cada voz calada
Mil vozes vão nascer gritando a força deste povo
Que não se vai render

A luta vai ser dura companheiro
Mas nada mudará o rumo à história
Lutando pela paz no mundo inteiro
Nós temos a certeza da vitória

Por cada voz calada
Mil vozes vão nascer gritando a força deste povo
Que não se vai render





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