terça-feira


Augusto César Ferreira Gil
 Advogado e poeta português, viveu praticamente toda a sua vida na Cidade da Guarda onde colaborou e dirigiu alguns jornais locais.
Nasceu a 31 Julho 1873 (Lordelo, Portugal)
Morreu em 26 Novembro 1929 (Guarda)



Balada da Neve

Batem leve, levemente,Como quem chama por mim.Será chuva? será gente?Gente não é, certamenteE a chuva não bate assim.

É talvez a ventania:Mas há pouco, há poucochinho,Nem uma agulha buliaNa quieta melancoliaDos pinheiros do caminho...

Quem bate, assim, levemente,Com tão estranha leveza,Que mal se ouve, mal se sente?Não é chuva, nem é gente,Nem é vento com certeza.

Fui ver. a neve caíaDo azul cinzento do céu,Branca e leve, branca e fria.... Há quanto tempo a não via!E que saudades, deus meu!

Olho-a através da vidraça.Pôs tudo da cor do linho.Passa gente e, quando passa,Os passos imprime e traçaNa brancura do caminho...

Fico olhando esses sinaisDa pobre gente que avança,E noto, por entre os mais,Os traços miniaturaisDuns pezitos de criança...

E descalcinhos, doridos...A neve deixa inda vê-los,Primeiro, bem definidos,Depois, em sulcos compridos,Porque não podia erguê-los!...

Que quem já é pecadorSofra tormentos, enfim!Mas as crianças, senhor,Porque lhes dais tanta dor?!...Porque padecem assim?!...

E uma infinita tristeza,Uma funda turbaçãoEntra em mim, fica em mim presa.Cai neve na natureza. E cai no meu coração.

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Luar de Janeiro

Luar de janeiro,
Fria claridade
À luz dele foi talvez
Que primeiro
A boca dum português
Disse a palavra saudade...
Luar de platina,
Luar que alumia
Mas que não aquece,
Fotografia
De alegre menina
Que há muitos anos já... envelhecesse.
Luar de janeiro,
O gelo tornado
Luminosidade...
Rosa sem cheiro,
Amor passado
De que ficasse apenas a amizade...
Luar das nevadas,
Álgido e lindo,
Janelas fechadas,
Fechadas as portas
E ele fulgindo,
Límpido e lindo,
Como boquinhas de crianças mortas,
Na morte geladas
— E ainda sorrindo...
Luar de janeiro,
Luzente candeia
De quem não tem nada,
— Nem o calor dum braseiro,
Nem pão duro para a ceia,
Nem uma pobre morada...
Luar dos poetas e dos miseráveis,
Como se um laço estreito nos unisse,
São semelháveis
O nosso mau destino e o que tens...
De nós, da nossa dor, a turba — ri-se
— E a ti, sagrado ladram-te os cães!
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A Minha Mãe

As ilusões semelham-se a um colar
De pérolas alvíssimas, de espuma.
Se o fio que as segura se quebrar,
Caem no chão, dispersas, uma a uma.

Caem no chão, dispersas, uma a uma,
Se o fio que as segura se quebrar;
Mas entre tantas sempre fica alguma,
Sempre alguma suspensa há-de ficar.

Das minhas ilusões, dos meus afectos,
Longo colar de amores predilectos,
Muitos rolaram já no pó também.

Um só dentre eles não cairá jamais:
Aquele que eu mais prezo entre os demais,
— O teu amor santíssimo de mãe.






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